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Parte 2: Micro-transições

O termo “flow” que ouvimos por aí quando mergulhamos um pouco mais à fundo na prática do Parkour é um aspecto do movimento que pode ser elusivo sem a prática orientada. Este artigo visa esclarecer alguns dos mal-entendidos que existem sobre transmissão de impulsoe ao longo do caminho também mencionaremos algumas ferramentas que você poderá integrar em seu treinamento ou ensino para ajudar a aprimorar a fluidez e a conexão entre seus movimentos.

Na parte um da série de artigos sobre “Fluidez” nós aprendemos mais sobre as macro-transições, que se refere ao espaço entre a conexão de um movimento com outro. Agora, o objetivo da parte 2 é complementar o nosso entendimento de fluidez no Parkour falando sobre as micro-transições.

Para entendermos a diferença entre os dois conceitos, a macro-transição (MT) se concentra em como podemos conservar e transmitir o impulso de um movimento para o próximo. Já a micro-transição (mT) se refere à capacidade de conservar e transmitir o impulso entre as diferentes partes de um único movimento.

O Ciclo de Progressão

Nós utilizaremos o Ciclo de Progressão para organizar e direcionar a aplicabilidade dos tópicos ao longo do artigo. As etapas serão, respectivamente: conscientização, preparação, adaptação e exploração.

Conhecendo as Partes de cada Movimento

Numa análise básica, é comum identificarmos em torno de 3 partes diferentes dentro de cada movimento técnico do Parkour. Essas partes também são conhecidas como fases. Alguns movimentos podem ter mais ou menos fases do que outros. O mais importante é que você seja capaz de identificá-las. Assim, você poderá enxergar quais são os conjuntos de movimentos que complementam uma técnica específica, do ínicio ao fim. Nas páginas de análise técnica da Explore Parkour, as diferentes fases de cada movimento geralmente são nomeadas como decolagem/início, meio e aterrissagem/fim, o que significa que para estas foram estabelecidos 3 momentos com micro-transições específicas.

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Nós baseamos esta divisão, que pode ser mais decomposta se e quando necessário (podem haver mais fases para técnicas mais complexas), nos momentos em que os principais movimentos responsáveis por algum tipo de ação do nosso corpo mudam de função.

Pegando como exemplo o salto de precisão do Parkour, estes momentos seriam

  1. O movimento elástico que se inicia no agachamento e no balanço dos braços para trás seguidos da rápida extensão de quadril e lançamento dos braços para frente e para cima durante o momento de decolagem (Perceba que mesmo apenas na fase de decolagem de um movimento, nós poderiamos quebrá-la em mais fases ainda).
  2. A flexão de quadril (AKA agrupada) seguida pela extensão dos joelhos trazendo as pernas à frente do corpo.
  3. E para finalizar, sem entrar em muitos detalhes, o agachamento no momento de aterrissagem com os braços servindo de contrapeso para ajudar a estabilizar o corpo.
Q

“Nós baseamos esta divisão… nos momentos em que os principais movimentos responsáveis por algum tipo de ação do nosso corpo mudam de função.”

Para reconhecer as partes de um movimento, tente sentir, ouvir e observar os momentos em que o corpo gera impulso e abre espaço para que a próxima fase se inicie.

Algumas dicas que podem ajudar…

Q

#1 – Observe

  • Filme você mesmo e/ou observe seus colegas, profissionais e bons exemplos na execução do movimento que você quer aprender e tente entender o que está acontecendo em cada parte dele. Procure o ângulo de mudança de impulso e as diferentes maneiras que o corpo gera, redireciona e absorve/controla a força através de diferentes ações. Quando os esforços do corpo mudam, desde gerar o impulso, para o redirecionamento dele, e para a absorção do mesmo, isto pode ser um bom sinal de algumas micro-transições existentes. Começe com alguns movimentos relativamente simples e busque informações e conhecimentos relevantes sobre os movimentos e esforços do corpo humano.

    #2 – Sinta

    • Traga sua consciência para o seu corpo após completar um movimento e analise os esforços gerados assim como a ordem e o motivo dos mesmos. Você pode começar com movimentos básicos e simples. À medida que sua consciência cresce, você pode transferir esta habilidade para os movimentos mais complexos do Parkour. Outra maneira de aguçar a sua sensibilidade seria através da fatiga por mais repetições do mesmo movimento, para que assim você indentifique mais nitidamente os seus esforços.
      Q

      #3 – Ouça

      • Som = Vibração = Movimento Se você encontrar um ritmo percussivo de alguém que se destaca em uma técnica que você está tentando progredir, você não será capaz apenas de ver as diferentes fases do movimento, mas você também terá aquele som como referência para replicar a técnica no tempo ideal. Por exemplo, vamos dar uma olhada no som das micro-transições de um catpass…

      • Decolagem: Gather step, também conhecido como galope;
      • Meio: Mãos batendo sobre o obstáculo e o empurrando para trás;
      • Aterrissagem: Passos leves sem frear o impulso por completo.
      Q

      Podem existir pequenas variações na aparência, sensação e som de um movimento, dependendo da pessoa, mas estes podem ser grandes sinais para identificar as micro-transições de diversas técnicas. Agora que podemos ver as micro-transições, que fazemos com elas?

      Q

      Isolando as Partes

      Agora que você é capaz de separar e identificar as diferentes fases de um movimento, escolha qual das partes será o seu foco (seu ponto fraco por exemplo) e desenvolva essa seção individual do movimento para que você possa melhorar a execução da técnica como um todo. Existem diversos vários aspectos de uma mT (micro-transição) que você pode melhorar, mas nós podemos reduzi-los a um ou mais dos seguintes: força, mobilidade, coordenação, timing, confiança e conforto.

      Em seguida, você vai querer trabalhar a fase escolhida com repetições, exercícios e/ou progressões. Estes são alguns exemplos de como você pode fazer isso…

        Q

        #1 – Isolar e Integrar logo em seguida; estilo “Super Set” (para coordenação, timing, e confiança).

        • Pratique o movimento completo, depois faça apenas a parte necessária do movimento isolado enquanto você visualiza como ele se encaixa no movimento como um todo e depois aplique através de outras tentativas da técnica em questão. Isto pode te ajudar a corrigir a parte isolada do movimento para que ela tenha uma melhor chance de se integrar a técnica completa da maneira ideal.

        #2 – Isolar no final do treino e integrar na próxima sessão (para desenvolver força). Certifique-se de estar consciente dos esforços necessários para o movimento específico em foco (extensão de quadril, força excêntrica, etc) e da capacidade física necessária performá-lo (potência, mobilidade, etc).

        #3 – Isolar no aquecimento e integrar durante o treino (para integração dos esforços com o movimento em si, mobilidade, coordenação e conforto).

        • Isto pode já fazer parte dos seus treinos e aulas, mas a estratégia de como trabalhar no que você ou seus alunos realmente precisam é o que vai fazer a diferença. Se você ou eles possuem a força, mas lutam para integrá-la ao movimento, trabalhar partes isoladas focando na coordenação e timing pode ser uma estratégia boa para prepará-los para executar a técnica por completo. Esta também pode ser uma maneira mais dinâmica para preparar as articulações e desenvolver a consciência das possíveis variáveis durante a execução do movimento.
        • Um ponto válido ao aplicar isto em aulas é perguntar aos estudantes se eles podem ver onde esses movimentos isolados podem ser aplicados, para que eles possam enxergar a utilidade e função dos mesmos, sem a necessidade de pensar em utilizar movimentos mais complexos o tempo todo. A análise crítica do lado dos estudantes é importante para que eles façam do seu conhecimento o seu próprio despertar de consciência. Caso contrário, eles estão apenas sendo alimentados com sua experiência sem aprender como analisar e pensar por si só.

        “Junte cada parte do movimento como seu próprio quebra-cabeça, que pode então ser unido a outros quebra-cabeças e criar os movimentos do Parkour que conhecemos ou novos à serem descobertos.”

        Apesar de gostarmos de aprender, melhorar e testar as técnicas comuns, uma grande parte do Parkour é ser capaz de adaptar estes movimentos dependendo de nosso objetivo e do meio ambiente. Ser capaz de visualizar e praticar partes isoladas dos movimentos pode nos ajudar a aplicá-los separadamente quando a necessidade surge ou para trazer algo novo à tona. Nós podemos falar mais sobre isso quando mergulharmos no mundo dos Modificadores.

        Tente pensar em cada parte de movimento como seu próprio mini quebra-cabeça, que pode então ser unido a outros mini quebra-cabeças e criar os movimentos do Parkour que conheçemos ou novos para serem descobertos.

        Por exemplo…

        • Cat Voltando: O cat voltando é uma técnica que combina a primeira parte de um climb up e a segunda parte de um tic tac 180.
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        • Cat Leap Correndo: O cat leap correndo é uma técnica que combina a entrada de um salto correndo com a finalização em posição de cat hang.
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        • Gainer na Barra: Também conhecido como Flyaway ou Swing Gainer, esta técnica combina a entrada de um lache com um mortal pra trás.
        Q
        • Kong Rolamento: Também conhecido como kong roll, esta técnica combina um dive kong com um dive roll.
        Q

        Conecte as Partes – Timing Ideal

        A última parte do quebra-cabeça das mT é o timing. A sincronia na conexão entre as micro-transições é tão importante quanto a execução delas em si. Se o timing de uma mT para o próximo estiver fora de sincronia, você corre o risco de perder grande parte do seu impulso e, assim, não ser tão bem sucedido em sua técnica (que também pode acarretar riscos desnecessários). Às vezes você tem as peças bem compreendidas e só precisa encaixá-las no momento “ideal”. Você vai notar que existe uma relação entre as táticas de conscientização e de timing, mas lembre-se que o foco agora está nas transições entre as fases do movimento, e não nas fases em si. Nós vamos apenas usar algumas das mesmas estratégias acima para trabalhar em cima disso.

        *Certifique-se de que as características do seu ambiente de execução são similares às que você está trabalhando, pois o ambiente pode alterar um pouco (ou muito) o momento dos movimentos.

        Algumas dicas que podem ajudar aqui…

          “Às vezes você tem as partes do movimento bem compreendidas e só precisa encaixá-las no momento ideal.”

            #1 – Analise seus próprios vídeos para detectar alguma perda de impulso entre as fases e perceba como seu timing se compara com bons exemplos de outras pessoas. Essa perda de impulso, quando no início do movimento, geralmente está relacionada com alguns possíveis rituais de decolagem.

            Além disso, podemos estabelecer desafios específicos que estão próximos do nosso máximo (sem grandes conseqüências) para que possamos explorar o movimento com pequenas variações de tempo e ver qual delas se encaixou melhor com o desafio proposto. É comum durante o aprendizado de uma nova técnica não identificarmos que está faltando uma parte que normalmente usamos quando praticamos o movimento isolado, ou que o timing está um pouco fora de sincronia, o que vai resultar na perda de impulso.

            Q

              #2 – Observe outras pessoas que performam o movimento com excelência para entender como o tempo das diferentes fases difere da sua própria execução.

              Devido a diferenças de corpo/força ou técnica, isto pode ou não acabar se aplicando. Se você estiver usando o “Gunslinger” para a entrada do seu sideflip, por exemplo, não vai te ajudar tanto ver as micro-transições de alguém utilizando uma entrada diferente como o “Air Guitar”.

              Q

                #3 – Uma vez construída a consciência para encontrar a perda de energia em seus próprios movimentos, tente trabalhar na engenharia reversa dessa específica fase do movimento para ver quais detalhes estão sendo responsáveis por essa perda e para fazer as mudanças necessárias (Ex: Na fase de decolagem para o salto de precisão. Analisar se o timing do esforço excêntrico das pernas está sincronizado com o balanço dos braços, ou se existe algum ritual pré-salto que pode estar te atrapalhando de gerar impulso).

                Este seria um momento para isolar a primeira fase do salto e depois integrar as peças progressivamente.

                Q

                  #4 – Copie o tempo de som dos bons exemplos, como o som do catpass que demos anteriormente, para maximizar sua transmissão de impulso.

                    #5 – Lembretes percussivos para o tempo de movimento (Ex: O tempo das 3 micro-transições de um backflip através de variações rítmicas).

                    Uma vez encontrado o “timing ideal” e encaixado em sua zona de conforto, você pode começar a explorar diferentes variações de timing para encontrar diferentes formas estilísticas e utilitárias para completar desafios expandir suas habilidades. Isso nos leva à nossa sessão final do artigo.

                    Modificando as Partes

                    Agora que você já sabe muito mais sobre as partes de cada movimento, é hora de explorar as diferentes possibilidades enquanto você desenvolve suas micro-transições! Em breve nós vamos compartilhar um artigo sobre modificadores que será um mergulho profundo na estrutura das variações dos movimentos, mas aqui podemos falar pelo menos sobre 2 modificadores incrivelmente relevantes.

                    • Ambiente: Este é nosso modificador mais utilizado e a maneira clássica de mostrar domínio técnico no Parkour. Uma vez que você tenha desenvolvido conforto em uma técnica em uma circunstância ambiental, desenvolva esse conforto em outro ambiente! Aprenda as sutis diferenças de tempo, técnica e perigos do novo ambiente e fique confortável com essa técnica ali. Procure o desconforto e progressivamente transforme-o em um lugar confortável. Numa visão geral você pode utilizar o seguinte processo…

                  • Começe com uma baixa conseqüência ambiental/física e baixa complexidade técnica. Depois aumente a complexidade, mantendo as conseqüências menores possível.
                  • Em seguida, trabalhe na exposição à consequências ambientais/físicas, mantendo a complexidade técnica próxima do que já estava.
                  • Por fim, tente equalizar os dois descobrindo onde se encontra minha complexidade e meu limiar de conseqüência para essa técnica. O gráfico abaixo pode te ajudar a visualizar a conexão entre estes dois tópicos.
                  • Exposição ao Ambiente X Complexidade Técnica

                    • Ritmo das mT: Quando variamos propositadamente o tempo das diferentes fases de um movimento para atingir um objetivo diferente. As razões para mudar o tempo da mT podem ser…

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                    E assim concluímos o nosso artigo sobre Micro-transições! Esperamos que estas informações possam lhe ajudar a compreender melhor as fases dos movimentos e como transferir o impulso entre elas para aprimorar a fluidez e execução sua e de outras pessoas. Sinta-se à vontade para nos contactar em nossas mídias sociais ou se você for um patreon e nos apoiar em nossa jornada para que possamos conversar e explorar mais juntos. Até a próxima!